Estudo crítico acerca do principio da violência revolucionária

ESTUDO CRÍTICO ACERCA DO PRINCÍPIO DA VIOLÊNCIA REVOLUCIONÁRIA

No período recente, o povo brasileiro viveu importante experiência de lutas. Acumulou grande soma de ensinamentos positivos e negativos que devem ser avaliados, a fim de que possamos melhor nos preparar para enfrentar o inimigo de classe. Nas cidades, mesmo nos períodos mais difíceis da ditadura militar, as lutas ganharam formas adaptadas à realidade política e jamais cessaram. Grandes manifestações de massas nas ruas, greves operárias, vários tipos de ações radicais, guerrilhas urbanas, tiveram lugar como formas de resistência ao regime militar. No interior, os camponeses lutaram por seus direitos e muitas vezes pegaram em armas na defesa de suas terras. Surgiram tentativas de luta armada como a empreendida pelo Cel. Cardim no Rio Grande do Sul e Paraná, a do Capitão Lamarca na Serra do Ribeira e no interior da Bahia, a de Caparaó. A luta guerrilheira do Araguaia foi a expressão mais avançada da resistência popular após o golpe militar de 1964. A guerrilha do sul do Pará manteve-se durante três anos, enfrentando enormes efetivos militares mobilizados pela ditadura. Apesar da férrea censura imposta aos meios de comunicação, o movimento guerrilheiro repercutiu intensamente em várias regiões do país e serviu de estímulo a muitas formas de resistência camponesa na luta pela terra.

A feição que a luta revolucionária possa tomar depende da situação de cada realidade nacional, no âmbito de um mesmo país, e não é para todo o sempre igual. Os combates nas barricadas de rua na França foram válidos até 1848, daí em diante estavam ultrapassados. A coluna Miguel Costa-Prestes pôde manter-se de dezembro de 1924 a fevereiro de 1927, percorrendo grande extensão do território brasileiro. Hoje em dia não teria chance de sobrevivência. E assim são muitos os exemplos na história das rebeliões e lutas populares.

No Brasil, a situação econômico-social e política evoluiu, sofrendo modificações importantes. A experiência revolucionária avançou e o Partido do proletariado teve a sua própria prática. O caminho da violência revolucionária decorre dessas condições objetivas e subjetivas. O processo concreto, a estratégia e a tática militares, vão sendo delineados segundo o avanço e as novas particularidades da luta de classes. Neste estudo, se procede a um exame crítico da atuação do Partido nesse terreno e se procura apontar, em traços gerais, os prováveis caminhos da solução revolucionária. Fiel aos princípios do marxismo-leninismo, o PC do Brasil está convencido de que não poderá existir socialismo sem revolução. Esta é uma lei fundamental do materialismo histórico. A revolução é, por isso, o objetivo de todo partido proletário que luta pela vitória do socialismo científico.

AS CLASSES DOMINANTES TORNAM INVIÁVEL O CAMINHO PACÍFICO DA REVOLUÇÃO

A utilização da luta armada pelo povo como recurso histórico tem marcado as grandes transformações sociais que a humanidade conheceu. A revolução francesa, que erigiu o lema "liberdade, igualdade e fraternidade", se fez à base de uma cruenta guerra civil; os norte-americanos lançaram os fundamentos de seu regime capitalista por intermédio do emprego das armas; os povos latino-americanos libertaram-se de seus colonizadores porque tiveram a coragem de travar com eles embates armados; o proletariado soviético, que estabeleceu em 1917 o primeiro Estado Socialista do mundo, realizou-o por meio da insurreição violenta; a China, o Vietnã, o Laos e Cambodja conquistaram a sua independência após prolongadas guerras populares de libertação nacional; experiência semelhante enfrentou, e enfrenta, o povo africano na luta contra o colonialismo e pela independência; a nossa própria independência não pôde prescindir da luta armada patriótica em alguns estados. E, assim, a história do mundo e do Brasil está pontilhada de guerras revolucionárias.

Por que as classes exploradas e os povos oprimidos têm de lançar-mão da violência revolucionária? Lênin assinalou, em O Programa Militar da Revolução Proletária, que "uma classe oprimida que não se esforçasse por aprender a manejar as armas, a possuí-las, mereceria que a tratassem como escrava". "Pois não podemos nos esquecer - dizia Lênin - se não quisermos nos converter em pacifistas burgueses ou em oportunistas, que vivemos numa sociedade de classes, da qual não se pode sair se não pela luta de classes. Na sociedade de classes - tenha por base a escravatura, a servidão ou, como agora, o trabalho assalariado - a classe opressora está armada. Não só o exército regular moderno, como também a milícia atual - mesmo nas repúblicas burguesas mais democráticas, como por exemplo a Suíça - representam o armamento da burguesia contra o proletariado. Esta é uma verdade tão elementar que nem há necessidade de nos determos detalhadamente sobre ela. Basta recordar o uso do exército contra os grevistas em todos os países capitalistas." É devido a esse armamento dirigido e empregado pelas classes exploradoras contra os explorados, que a luta popular em defesa dos direitos democráticos e pela libertação social tem necessariamente de enfrentar confrontos violentos. Os explorados e oprimidos não têm outra saída se não apelar para as armas a fim de fazer frente às armas que os mantêm escravizados.

Os social-democratas e os revisionistas atuais negam esse princípio basilar da ciência marxista. Eles renunciam completamente ao ponto de vista da luta de classes, renegam a idéia da revolução e do socialismo científico. Ocupam o papel de reformadores do capitalismo e grandes defensores políticos dos monopólios. Infiltrados no movimento operário, e tendo como base a aristocracia operária, os revisionistas constituem nos dias de hoje grandes trunfos que a burguesia possui para dificultar o avanço e a vitória da revolução proletária e popular. Os representantes maiores dessas posições anticomunistas e antirevolucionárias no Brasil, são os revisionistas do chamado PCB e agora os social-democratas, que procuram implantar-se no movimento operário e popular.

Os comunistas brasileiros, atendo-se aos princípios marxistas-leninistas, reorganizaram o Partido dos proletários em 1962 e, no seu Manifesto Programa, afirmaram claramente: "As classes dominantes tornaram inviável o caminho pacífico da revolução". Retirando os ensinamentos do golpe de 1964, às vésperas do qual os revisionistas do PCB pregavam a aliança povo-Forças Armadas, o nosso Partido dizia: "O povo brasileiro enfrenta o dilema de permanecer na dependência dos imperialistas norte-americanos, viver humilhado e sem liberdade ou fazer a revolução. Não há um terceiro caminho. Não é possível repetir, sob outras formas, o mesmo ciclo já antes percorrido, ou seja, conquistar pouco a pouco algumas liberdades e, em seguida, suportar o peso de um golpe militar, perder as posições conquistadas".

Embora o imperialismo e o social-imperialismo tenham sofrido sérios golpes e se encontrem envolvidos em profunda crise, continuam exercendo sua dominação implacável, por meio de formas mais sofisticadas, sobre vastas áreas do mundo. Nunca o imperialismo se armou tanto quanto hoje e a corrida armamentista alcançou nível tão elevado e intenso.

Os monopolistas norte-americanos, os social-imperialistas soviéticos e outros imperialistas, ajudam o regime militar brasileiro na sua tarefa de reprimir o movimento popular e impedir a qualquer preço o avanço da revolução. Desde que o movimento operário se organizou e se constituiu em força no Brasil, não se verificou uma só greve econômica de maior expressão sem que, contra ela, tropas das Forças Armadas fossem mobilizadas. Quando as classes dominantes percebem a possibilidade de o poder político ser colocado em cheque pelo movimento popular, não vacilam um instante em procurar por todos os meios impedir o seu avanço. Depois do golpe de 1964, o regime militar emprega freqüentemente as Forças Armadas em funções de polícia e, sob o pretexto de segurança nacional, aplica a tortura e o terrorismo contra os trabalhadores, os democratas e patriotas.

À classe operária e às massas populares não resta outra alternativa para a defesa e a conquista de seus direitos fundamentais, se não responder oportunamente à crescente violência reacionária com a violência revolucionária. Quem impõe essas condições são as classes dominantes e o imperialismo. O exemplo recente do Irã, da Nicarágua, Namíbia e agora de El Salvador, o confirma plenamente.

A EXPERIÊNCIA DA LUTA ARMADA NO ARAGUAIA

- O documento Guerra popular: caminho da luta armada no Brasil

Uma das questões que esteve no centro da luta interna que o Partido travou entre 1956 e 1962 foi a questão da luta revolucionária. Quando os marxistas-leninistas insurgiram-se contra os revisionistas nesse período, a primeira bandeira levantada foi a da revolução, a da inevitabilidade da luta armada para o proletariado chegar ao poder. Depois de reorganizado, o Partido apareceu como o único destacamento político que defendia no Brasil a luta revolucionária de massas para a conquista do poder político. Dois anos depois, com o golpe de 1964, mais uma vez ficou patenteada a ilusão do pacifismo, então predominante no movimento popular brasileiro. Em 1966, a 6ª Conferência do Partido voltou a abordar o problema da luta armada, no âmbito de uma proposição tática geral. Indicou o campo como o cenário por onde poderia começar um processo revolucionário no país.

Guerra Popular - caminho da Luta Armada no Brasil, elaborado em 1969, revelou o destaque com que o Partido passara a tratar o tema da luta armada, a conseqüência que tirava dos princípios que defendia. Com Guerra Popular - caminho da Luta Armada no Brasil, o Partido indicou aos seus militares, à classe operária e ao povo brasileiro um caminho pensado de desenvolvimento da revolução. Ao fazer a análise desse documento, o Partido inicia por constatar que ele foi um marco fundamental na vida e na elaboração proletária no Brasil. Orientou um processo que levou os comunistas à experiência de luta armada mais importante de toda sua história - a da guerrilha do Araguaia.

Guerra Popular - caminho da Luta Armada no Brasil enumera características da sociedade brasileira que influenciam o caminho da luta armada no país. Chama a atenção para a dependência do Brasil, para o monopólio da propriedade da terra, para a sobrevivência de "métodos arcaicos de produção" no interior, para a existência de "centros industriais adiantados" que coexistem ao lado de regiões atrasadas. Destaca as grandes disparidades entre regiões e entre classes do país, bem como a vastidão do território nacional. Ressalta a atuação de um "movimento democrático e antiimperialista de certa envergadura" e a atuação no país de um partido marxista-leninista, o PC do Brasil. Registra como fatores desfavoráveis à luta armada no Brasil, um "baixo nível de organização das massas", o fato de as Forças Armadas serem "em certa medida fortes", a "experiência de luta armada limitada" do povo, a inexistência de forças armadas populares, o atraso relativo no movimento revolucionário no interior face ao das cidades e o predomínio amplo do imperialismo norte-americano entre as forças exteriores que dominam o país.

Guerra popular - caminho da luta armada no Brasil examina em outra parte caminhos de luta armada já tentados no Brasil, indicando insuficiências e erros cometidos. Estende-se na crítica à concepção "foquista" de luta armada que proliferou na América Latina. Combate o espontaneísmo na preparação da luta armada e o voluntarismo no seu desencadeamento. Mostra a importância das cidades no Brasil e a necessidade de estas participarem ativamente do processo da luta armada. São todas observações pertinentes, corretas, valiosas, que guardam atualidade.

Guerra popular - caminho da luta armada no Brasil sofreu também injunções de idéias que circulavam nos meios marxistas-leninistas, no tempo em que foi elaborado.

O movimento comunista internacional estava, na década de 60, assediado pelo revisionismo soviético. A concepção revisionista do caminho pacífico era criticada pelos marxistas-leninistas em diversos países. Nessa época, o PC da China e Mao Tsetung passaram a desfrutar de grande prestígio junto aos comunistas do mundo inteiro. O conhecimento sobre o Partido e a situação na China era insuficiente. Os próprios chineses não facilitavam esse conhecimento a ninguém. Mas o PC da China dirigira a revolução em seu país e tomara o poder; apresentava uma enérgica posição contra o imperialismo norte-americano; denunciava o revisionismo kruschevista e declarava apoio ao movimento revolucionário e marxista-leninista no mundo. Nessa base, sua autoridade crescia e a influência de suas posições se ampliava. Especialmente os ensinamentos da guerra revolucionária do povo chinês eram estudados por revolucionários em todo o mundo e o próprio PC da China se empenhava em sistematizar e generalizar para outros países sua experiência de luta armada.

É esse o momento de elaboração do Guerra popular - caminho da luta armada no Brasil. Seu texto afirma que "o estudo das obras de Mao Tsetung sobre a guerra revolucionária serviu de guia na elaboração desse caminho", embora tenha afirmado que o Partido deve "examinar as premissas para o surgimento e desenvolvimento da luta armada e delinear seu curso mais provável", baseando-se no marxismo-leninismo.

Em função da pequena experiência de luta armada no Partido e mesmo do povo brasileiro, Guerra popular - caminho da luta armada no Brasil não poderia ir além de idéias gerais sobre o caminho provável desse tipo de luta no país. Contudo, o documento avançou para uma particularização excessiva a propósito do processo prático dessa luta. E como a experiência concreta era insuficiente para alicerçar o detalhamento pretendido, Guerra Popular - Caminho da Luta Armada no Brasil terminou refletindo, em certa medida, o caminho chinês. Foi feita uma diferenciação fundamental quanto à visão do papel das cidades na luta revolucionária. A tese chinesa do "cerco das cidades a partir do campo", que reduz as cidades a uma função passiva na revolução, não foi endossada. Ao contrário, o documento acentua que "a correta e estreita coordenação das atividades revolucionárias armadas e não-armadas, no campo e nas cidades, é o caminho para tornar vitoriosas as forças do povo". Mas, a ênfase dessa posição sobre o papel ativo das cidades não chegou a traduzir-se em orientação que concretizasse a articulação, no terreno da luta armada, entre o campo e a cidade, mesmo porque as cidades estavam então sob o cerco feroz da ditadura fascista.

Relacionado à essa particularização, um segundo problema se expressou na redação do Guerra Popular - Caminho da Luta Armada no Brasil. É que as orientações não foram apresentadas como indicações a serem confirmadas, corrigidas ou adaptadas no decorrer da luta, mas como se fossem conclusões taxativas. Questões a ser verificadas, ainda que possíveis, foram apresentadas de forma categórica, tais como: "a luta armada será fundamentalmente no interior; (...) será prolongada; (...) terá na guerrilha um elemento imprescindível; (...) exigirá a formação de bases de apoio; (...) desenvolver-se-á no quadro da defensiva estratégica". Essas afirmações poderiam ser levantadas como hipóteses, não como afirmativas a priori, dependendo para isso do avanço da luta e de determinadas condições concretas. Com tais afirmações categóricas, Guerra Popular - Caminho da Luta Armada no Brasil ao "definir o caminho da luta armada" no Brasil afastava-se do próprio objetivo anunciado na sua introdução, que era o de "delinear, num plano mais geral, o curso mais provável da luta". A questão da base de apoio, por exemplo, depende de muitos fatores. Sem dúvida, a necessidade de retaguardas seguras para o crescimento da luta guerrilheira e sua conversão em exército regular é uma lei geral no desenvolvimento da guerra revolucionária. Entretanto, essa retaguarda toma forma específica conforme a realidade econômica, as condições políticas, o desenvolvimento das técnicas militares e as particularidades das forças revolucionárias de cada país. A retaguarda da luta armada popular no interior do nosso país poderá não ter a mesma característica de "base de apoio" - termo no qual se exprime o tipo de retaguarda das forças revolucionárias nas condições da China.

A linha de Guerra Popular - Caminho da Luta Armada no Brasil, que implicava em deslocamentos para o interior, foi sendo aplicada em permanente sintonia com o desenvolvimento da conjuntura do país, podendo, nesse sentido, se dizer que foi o fascismo, o terror bestial espalhado pelas cidades, que deu elementos de convicção sobre a necessidade de utilizar o interior para preparar a luta revolucionária de massas, o que foi correto. Em tal situação, o campo era o cenário mais apropriado para o começo e desenvolvimento da resistência armada que se impunha ao regime ditatorial fascista. Nas cidades, uma ação revolucionária de grande envergadura como a insurreição, não tinha as mínimas condições de preparação e êxito, porque existia uma situação de defensiva geral das forças populares, obrigando-nos assim à necessidade de acumulação de forças. As pequenas ações revolucionárias nas cidades também não tinham possibilidades de vingar. Nos centros urbanos o inimigo estava concentrado, dispondo de enormes meios de repressão e controles constantes. Assim, não restava outra alternativa viável à luta armada popular se não as vastas áreas do interior, com grande população camponesa, onde já eram realizadas espontaneamente várias formas de resistência armada. É conhecida a vigorosa crítica que Enver Hoxha, apoiado por Stálin, fez ao PC da Grécia por ter este dado "diretiva para que o proletariado grego se mantivesse nas cidades durante a luta antifascista", em vez de ir "juntar-se à guerrilha" no campo. Malgrado o terror bestial que os nazistas e a reação interna lançavam nas cidades, as forças do proletariado revolucionário aí permaneceram, "onde muitos elementos foram assassinados, torturados, presos e deportados".

- A Guerrilha do Araguaia: breve retrospectiva da luta

A região onde se desenvolveu a luta guerrilheira do Araguaia é de colonização recente. Para lá foram famílias camponesas de plagas distantes, à procura de vida nova, atraídas pelas notícias de existência de terras devolutas, acessíveis aos trabalhadores. Logo grileiros começaram a agir na área. E moradores começaram a ser expulsos de terras que tinham desbravado. Os organismos governamentais davam todo o apoio aos falsos proprietários. Várias centenas de posseiros, mormente a partir de 1970, foram ameaçados, perseguidos e expulsos de suas terras.

A partir de 1966, comunistas começam a chegar nessa região, situando-se nas proximidades do eixo Marabá-Araguatins-Xambioá. Numa situação de crescente perseguição política nas cidades, o Partido indicava aos seus membros o interior como local onde a segurança poderia ser mais preservada e onde um trabalho de massas poderia constituir-se em eventual base de uma futura resistência armada. Os comunistas que lá chegavam moravam, trabalhavam, viviam em condições iguais às de todos os que já lá estavam. Servindo à população pobre da região com seus conhecimentos mais elevados e com dedicação exemplar, os comunistas se tornaram no Araguaia, ao cabo de alguns anos, pessoas das mais conhecidas e queridas. Cuidavam de conhecer a região onde habitavam e tratavam de fazer preparativos para a hipótese, que sabiam inevitável, de ter de apelar para as armas quando o trabalho que ali desenvolviam crescesse e as forças da reação quisessem destruí-lo.

Em 12 de abril de 1972, após quase seis anos da data em que os primeiros comunistas se estabeleceram no Araguaia, as Forças Armadas atacaram a área e teve início a resistência guerrilheira. O Exército montou sua primeira campanha de cerco e aniquilamento.

Nessa primeira campanha as Forças Armadas empregaram de 4 a 5 mil homens. Sua tática é descrita da seguinte forma por Ângelo Arroyo: "Não chegaram a entrar na mata, movimentavam-se pelas estradas. Ficavam emboscados nas proximidades de casas de moradores, nas roças, capoeiras, grotas e algumas estradas. O Exército procurou apresentar os guerrilheiros como marginais, terroristas. Depois passou a dizer que éramos estrangeiros. Prenderam muitos elementos de massa, tanto nas roças quanto nas cidades próximas, começaram a se apoiar nos bate-paus da região. Forçaram muitos moradores a servir de guias. Todos os nossos locais foram queimados pelo Exército, até mesmo os paióis de milho, arroz e depósitos de castanha. Cortaram todas as árvores frutíferas. Também algumas roças e casas de massa foram queimadas. As perseguições estenderam-se aos padres. Alguns foram presos e depois soltos".

As forças guerrilheiras seguiam a orientação traçada pela Comissão Militar que, nas expressões de Arroyo, "indicou como forma principal de luta a propaganda armada, tendo em vista explicar às massas o motivo da luta (...) ordenou que se estudassem as possibilidades de realizar ações de fustigamento e emboscadas (...). A tática então empregada resumia-se no seguinte: 1) recuar para áreas de refúgio; 2) buscar contato com as massas; e 3) tentar realizar ações de fustigamento e emboscada do inimigo".

Em julho de 1972, depois de quatro meses de operações, o Exército suspendeu sua primeira campanha e retirou-se da área sem alcançar seus objetivos de aniquilar a guerrilha.

A segunda campanha militar iniciou-se em setembro de 1972 e mobilizou de 8 a 10 mil soldados das três armas e da PM. A tática que empregou é basicamente a mesma anterior, e foi assim descrita por Arroyo: "Ocuparam as estradas e abriram algumas picadas na mata. Chegaram a entrar na mata, guiados por um morador local, na área do destacamento B. Havia pouca tropa especializada. O moral dos soldados era baixo (...). Armaram muitas emboscadas em beiras de grotas, estradas, casas de moradores e capoeiras (...). Utilizaram helicópteros e aviões (...) procederam a uma operação Aciso, distribuindo remédios (...). Montaram também uma operação com o INCRA (...) que iria distribuir terras".

Os guerrilheiros, de sua parte, seguiram fundamentalmente a mesma tática que fora vitoriosa na primeira campanha.

No final de outubro, dois meses após o início das operações, a segunda campanha foi desmobilizada e as Forças Armadas mais uma vez se retiraram da área sem alcançar os objetivos propostos.

No conjunto das duas campanhas, as Forças Armadas empregaram de 12 mil a 15 mil homens. Os guerrilheiros atuaram com três destacamentos e mais uma Comissão Militar, que formavam as Forças Guerrilheiras do Araguaia. Entre mortes e prisões, as FFGG tiveram nas duas primeiras campanhas 18 baixas.

Seguiu-se, no Araguaia, uma trégua de aproximadamente um ano, durante a qual foi intensa a atividade de massa e militar dos guerrilheiros, que também ajudavam nas tarefas das roças. Cresceu, em extensão e profundidade, o trabalho político. Diversos folhetos foram editados sobre a vida e a luta do povo. Os núcleos de base da frente de massas, a União pela Liberdade e pelos Direitos do Povo, ULDP, multiplicaram-se e passaram a funcionar com regularidade. Intensificou-se a distribuição do seu programa de 27 pontos denominado Em defesa do povo pobre e pelo progresso do interior. A atividade militar também se intensificou. Novos locais foram preparados para ações de fustigamento, emboscadas e refúgios. Melhoraram os mapas, remontou a oficina de conserto de armas, fizeram novos depósitos de alimentos e remédios. Perigosos capangas foram presos, julgados e executados.

Fruto dessa atividade, os guerrilheiros contavam, às vésperas do início da terceira campanha, com o apoio de 90% da população da região. Seus líderes eram altamente prestigiados, alguns iam se tornando figuras lendárias. Hinos da Guerrilha foram compostos e eram interpretados por pessoas do povo. 13 núcleos da ULDP funcionavam. 40 elementos de massa estavam prontos a incorporar-se nos destacamentos armados, tão logo o Exército voltasse a atacar.

Por essa época, no restante do Brasil, a censura fascista impedia qualquer referência à Guerrilha do Araguaia. Apesar disso, o Partido tudo fazia para romper esse bloqueio de silêncio.

No exterior a solidariedade à luta armada no Brasil se deu em diversos países. Jornais, boletins e atos públicos foram feitos na América Latina e na Europa. A Albânia socialista prestou total apoio à luta revolucionária dos brasileiros.

Também para as forças fascistas o período de trégua não foi de inatividade. Ao contrário, o Exército se preocupou em golpear o Partido nas cidades para cortar a retaguarda política da Guerrilha. Os chamados "órgãos de segurança", utilizando o terror, terminaram por atingir o Partido em Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Vitória e São Paulo. Também introduziram espiões travestidos de fazendeiros na área em litígio, abriram estradas e construíram quartéis na região.

A 7 de outubro de 1973, efetivos da Brigada de Pára-quedistas do Exército, comandados pelo Gen. Hugo de Abreu, à frente de outros milhares de soldados, iniciaram a terceira campanha de cerco e aniquilamento no Araguaia. A tática geral empregada era nova. Constou de "bloqueio do apoio externo aos guerrilheiros; cerco estratégico da área para impedir a fuga ou o deslizamento da guerrilha; ocupação de pontos de apoio dentro da área guerrilheira; isolamento do apoio de massas com prisões dos moradores, espancamentos e torturas; corte das possibilidades de abastecimento dos guerrilheiros; utilização de grande número de patrulhas, com mateiros servindo de guias e com apoio de helicópteros para penetrar na mata; ordens de matar e não fazer prisioneiros (...)". (Documento de Arroyo)

Pouco antes, em agosto, a CM traçara a tática para os destacamentos das FFGG: basicamente a mesma das campanhas anteriores.

Em aspectos importantes, o Exército surpreendeu o comando guerrilheiro. A substituição de recrutas por soldados das chamadas "tropas de elite" e o emprego de armamento moderno fizeram com que o conflito direto entre os dois lados de contendores resultasse em crescentes perdas para os guerrilheiros. O comando da guerrilha fez a junção de dois destacamentos e deliberou, em novembro de 1973, juntar os três sob o comando da CM, o que não chegou a acontecer por razões práticas. A pressão do Exército aumentou. As FFGG batiam-se com valentia, mas se enfraqueciam sofrendo "sérios reveses". "Elevou-se o número de baixas, morreram alguns comandantes e elementos de grande prestígio. Desarticulou-se o comando", descreve Arroyo. A partir de janeiro de 1974, os guerrilheiros dividem-se em pequenos grupos. Pelos meados desse ano cessou a resistência organizadora, embora continuassem operando até janeiro de 1975 alguns guerrilheiros esparsos.

- Lições da guerrilha

Para os revolucionários brasileiros, a luta do Araguaia, a única experiência guerrilheira de envergadura realizada no país nos últimos 50 anos, é fonte de ricos ensinamentos. O texto de Ângelo Arroyo Um grande acontecimento na vida do país e do Partido, escrito ainda sob o impacto da luta, pouco depois de o autor ter rompido o cerco das forças armadas da ditadura, apresenta judiciosas reflexões sobre a luta e o seu aprendizado. O Araguaia teve importantes êxitos e cometeu erros também. Dentre os êxitos destacam-se:

1. Conseguiu apoio de massas suficiente para sobreviver por quase três anos

Ainda que tivesse excelente rede logística de apoio e ótimo armamento, o que não acontecia, não seria possível aos nove grupos guerrilheiros, componentes dos três destacamentos das FFGG, sobreviver em luta contra as tropas federais, durante três anos, se não fosse o apoio das massas. Houve perfeita integração entre os combatentes e os demais moradores da região. Nos períodos de trégua apoiavam-se mutuamente em mutirões nas roças. Os combatentes, com maior conhecimento técnico, ajudavam com recomendações que melhoravam a produção. Faziam ainda trabalhos de medicina, enfermagem e farmácia. No curso das operações militares a massa foi para os guerrilheiros a fonte decisiva de alimentação, informações e serviços vários. O próprio Gen. Hugo de Abreu reconheceu que os guerrilheiros "contavam realmente com o auxílio da população" (Jornal do Brasil, 11 de setembro de 1978). Esse apoio se expressou também em diversas adesões aos grupos da Guerrilha, como aconteceu com Jonas, Toninho, Luizinho, Ribamar, Carretel, Wilson, Alfredo (que se transformou em destacado guerrilheiro) e outros.

Lavradores locais participaram também de ações localizadas, após as quais retornavam aos seus trabalhos. A certa altura da terceira campanha, registra Arroyo, "Nelito tentou realizar uma emboscada com nove elementos de massa, mas os soldados não passaram. Depois, com os mesmos elementos, tentaram destruir uma ponte na Transamazônica, o que também não conseguiram. Os elementos de massa voltaram para suas casas (...) Com Nelito ficou um jovem de massa que pediu ingresso na guerrilha". Arroyo dá notícia também da existência de 40 elementos prontos a se incorporar à guerrilha às vésperas da terceira campanha: "Havia condições para recrutar muitos elementos de massa para as FF Guerrilheiras", disse ele.

2. Despertou os camponeses para a idéia da luta organizada
como meio de se defender e conquistar seus direitos

O exemplo do Araguaia, a despeito da censura governamental, difundiu-se, notadamente pelas regiões circunvizinhas à área da guerrilha. Aí a opressão e a violência dos poderosos se abate freqüentemente contra os pobres do campo. Sucedem-se choques. Mas depois do Araguaia esses choques tornaram-se mais freqüentes e com conotações diferentes: denotam certa organização coletiva. Assim foram os que, nos últimos anos, se deram em Santa Terezinha, São Félix, Pau Ferrado, Pontes e Lacerda, São Domingos do Capim, Lagoa de Pedra, São Pedro da Água Branca, etc. Neste último, os posseiros prenderam jagunços e soldados da polícia de Marabá, com audácia desconhecida até então. Na estrada PA-70, não muito distante da região da Guerrilha, onde o fazendeiro norte-americano John Davis e seus familiares faziam provocações, dezenas de posseiros realizaram uma ação coletiva, em defesa de seus direitos. John Davis e dois de seus filhos foram mortos. Ainda recentemente alcançou repercussão nacional uma eleição para um sindicato de trabalhadores rurais da região do Araguaia, quando as forças reacionárias se articularam para impedir a vitória de uma chapa progressista. Falando à caravana de familiares de mortos e desaparecidos do Araguaia, que há pouco visitou a área, um camponês disse: "Estamos colhendo agora o que seus parentes plantaram". É o exemplo que frutifica.

3. Situou a resistência popular no campo num terreno favorável

Armas de grande poder destrutivo e mobilidade, como carros de combate, canhões, metralhadoras pesadas, bazucas e outras não tiveram função nas selvas do Araguaia. O avião e o próprio helicóptero foram usados mais como meio de transporte. Não tinham alcance visual nem poder de fogo direto. "Na mata, escreveu Arroyo, o inimigo tem de estar a pé como o guerrilheiro". Os soldados tinham de portar armas leves, andar em pequenos grupos e avançar lentamente. É certo que a mata não foi adversa apenas para os soldados do governo. Também os guerrilheiros sofreram suas dificuldades. Mas, no geral, a condição da floresta favoreceu o desempenho das forças guerrilheiras.

4. Elaborou uma plataforma política e de reivindicações concretas para a luta

A Guerrilha, logo iniciada, foi uma forma defensiva de resistência armada no quadro geral da luta. Ela era uma ação antes de tudo política. Precisava difundir seus objetivos programáticos para todo o povo. A divulgação do programa de 27 pontos, elaborado em conjunto com as massas, estabeleceu os objetivos concretos da luta e uma base de fácil compreensão para a educação política e revolucionária do povo. O programa permitiu a organização da frente local de massas, a ULDP. Os treze núcleos dessa frente concretizaram, no Araguaia, o esforço de construção da aliança operário-camponesa.

5. Mostrou a coerência revolucionária, marxista-leninista, do PC do Brasil

O Partido dirigiu a insurreição de 1935 e defendeu, em 1954, um programa revolucionário. Tinha tradição revolucionária. A partir de 1956 sofreu a pressão ideológica revisionista que o levou a reorganização em 1962. Com a vigência da ditadura militar, setores da pequena-burguesia optaram por efetuar ações armadas, do tipo foquista, o que não deixou de significar uma pressão ideológica pequeno-burguesa sobre o Partido proletário. Havia murmúrios de que o Partido só defendia a luta armada em palavras, não em atos. O Araguaia mostrou a conseqüência revolucionária do Partido e o nível e a envergadura diferentes com que abordou o caminho armado. Ao invés de aceitar a forma adotada pela pequena burguesia revolucionária da época - os seqüestros, os assaltos - ou de caminhar no rumo da implantação de um foco guerrilheiro, dissociado das massas, o Partido, durante anos, planta raízes profundas nas massas camponesas e organiza uma resistência duradoura de massas.

Dentre os erros cometidos no Araguaia salienta-se:

1. A tática guerrilheira permaneceu no geral estável durante o período da luta

O comando guerrilheiro, ao definir para a terceira campanha a mesma tática empregada nas duas primeiras, cometeu um erro considerado por Arroyo como "muito grave". Não se poderia esperar que o Exército, que foi derrotado nos seus objetivos por duas vezes consecutivas, voltaria, pela terceira vez, após um ano de preparativos, com o mesmo procedimento tático anterior. Ao não prever uma radical alteração no comportamento do inimigo, o comando guerrilheiro subestimou-o. Arroyo destaca que entre os membros da Comissão Militar, "predominavam as idéias de que o inimigo não entraria na mata pois não tinha tropas especializadas para isso; não poderia fazer campanha demorada devido a problemas de logística; não entraria na época de chuva; e, por fim, seria improvável um cerco total da área". Aconteceu que o Exército entrou profundamente na mata, fez campanha demorada, chegou em época de chuva e conseguiu fazer um grande cerco. Arroyo associa a subestimação do inimigo à subestimação da própria Guerrilha. À ditadura militar era inadmissível perder três vezes no Araguaia e permitir que a Guerrilha até certo ponto ali se consolidasse.

Ante a expectativa de início da terceira campanha, com dois meses de antecedência, a CM poderia ter indicado uma mudança radical de comportamento tático, podendo até optar por uma retirada temporária das forças guerrilheiras da área já conhecida pelo inimigo. Este, ao chegar, desgastar-se-ia na infrutífera busca de guerrilheiros inexistentes.

2. A área guerrilheira não foi ampliada, não se criaram novos destacamentos

18 meses após o início da resistência do Araguaia, o Exército chegou para sua terceira campanha encontrando a guerrilha na mesma área em que sempre estivera. A área não foi ampliada. Tampouco outras, nas proximidades, foram acrescidas à original. Isso facilitou a ação do inimigo, permitindo-lhe concentrar forças. Arroyo mostra "a perspectiva que se tinha: começada a luta, ir ganhando as massas e estendendo a áreas aos poucos para Goiás, Maranhão, sul do Pará e Mato Grosso". A perspectiva não foi aplicada em função de não se ter conseguido uma bem sólida base política de massa na região, condição essencial para a consolidação e ampliação da resistência armada. O apoio popular local à guerrilha existiu e foi grande. Constituiu-se na razão básica da sobrevivência das forças guerrilheiras por quase três anos. Mas esse apoio não se expressou numa adesão suficientemente numerosa de combatentes, a ponto de permitir a criação de novos destacamentos e a ampliação da área inicial. Nem sempre também se cuidou da incorporação de pessoas para ações episódicas na guerrilha, de deslocar elementos já ganhos ou de ir destinando outros para funções de apoio à Guerrilha mas não participando dela diretamente como combatente.

3. Não prevaleceram os métodos da defensiva ativa

"Foram poucas as ações para dois anos de luta", diz Arroyo. A guerrilha não buscou, inclusive nos períodos de trégua, fazer incursões mais numerosas e por regiões mais distantes, deixando de avançar no conhecimento de áreas próximas e na prática da propaganda armada. Em conseqüência, não conseguiu armar-se melhor à custa do inimigo, permitiu que espiões se implantassem na área e deixou de desenvolver intensamente o preparo militar dos combatentes no curso mesmo da guerra, imprescindível para dotar-lhes do "espírito guerreiro" de que careciam, por falta de experiência.

Em decorrência também da pouca iniciativa militar, a Guerrilha terminou não definindo bem as formas de luta mais próprias para a situação e não se especializou em algumas delas.

Na ação, com a iniciativa tática da luta, no quadro geral defensivo, o combatente do Araguaia demonstrou vigilância, rigor, capacidade de aprender e criar. Ninguém morreu nas ações da iniciativa guerrilheira. As mortes se deram nos deslocamentos de locais, nos encontros imprevistos com o inimigo e nas chegadas repentinas das forças federais a acampamentos guerrilheiros.

4. O apoio logístico não foi bem preparado e não houve trabalho na periferia da área

Em que pese estar nos planos do Partido desenvolver trabalho na periferia do Araguaia, o fato é que isso não foi feito até o ataque do Exército, em abril de 1972. Chegou a criar uns dois pontos de apoio, mas bastante fracos. O apoio logístico ficou, assim, seriamente debilitado. E a guerrilha não contou com eficiente serviço de comunicação, informação e abastecimento, sobretudo de armas. Não dispôs de meios modernos de transmissão à distância.

Pela importância que tinham para a luta, esses pontos de apoio seguros, sua montagem na periferia deveria ter começado "simultaneamente com a organização da força combatente", como houvera concluído Arroyo.

5. As forças guerrilheiras se concentraram e o comando ficou excessivamente centralizado

"Com o início da ofensiva do Exército, a CM decidiu juntar os dois destacamentos (o B e o C)...", relata-nos Arroyo. Isso se deu por conta da avaliação inicial de que a terceira campanha recém-iniciada era pequena. Significou que 32 guerrilheiros passaram a marchar juntos, divididos em três grupos. Um mês após o início da terceira campanha, a CM deliberou juntar os três destacamentos, o que não foi realizado por razões práticas. O objetivo que tinha em vista era o de "ter a força à mão" para "realizar ações de certa envergadura". Mas a força concentrada contrariava o espírito da luta guerrilheira. Criou problemas de abastecimento.

Deixou rastros marcantes. Não tinha a mobilidade dos pequenos grupos. Diminuiu objetivamente a área de atuação. E facilitou o cerco inimigo.

A concentração, no âmbito das forças, relacionou-se à centralização, ao nível do comando das operações. E a "excessiva centralização do comando" retirava na prática a iniciativa dos destacamentos e dos grupos.

A essas apreciações sobre acertos e erros da guerrilha acrescente-se outra, mais geral. É que o Araguaia desenvolveu-se como uma resistência isolada no território nacional, facilitando a concentração do esforço para aniquilá-lo. Não se poderia esperar que espontaneamente aparecessem outras frentes de luta. E nem o Partido assim pensava. Por isso, providências foram tomadas em três frentes previamente escolhidas, sendo o Araguaia uma delas. E só nesta última o trabalho avançou substancialmente. Resultou que quando o Araguaia sofreu o ataque do Exército e partiu para a resistência, arcou sozinho com o desdobramento posterior da luta.

Além de ter ficado isolada, como frente de luta armada, a resistência do Araguaia ocorreu numa situação de vigência do governo fascista, com repressão brutal contendo o restante do movimento popular e com censura férrea impedindo a divulgação da guerrilha. Tudo isso contribuiu para o isolamento político e para a derrota militar no Araguaia.

Refutação e críticas erróneas

Fato central na luta do povo brasileiro, ponto mais elevado da resistência que apareceu no país desde 1964 e evento dos mais importantes na história do Partido da classe operária brasileira desde 1922, o Araguaia tem suscitado muita polêmica. Há opiniões de aberta simpatia ao evento. Há críticas honestas, procedentes ou não. E há críticas oportunistas, emitidas com má fé, interessadas em negar a luta armada e denegrir o Partido proletário no Brasil. Feitas de boa ou de má fé, cabe-nos refutar principalmente as seguintes críticas descabidas:

1. "Foquismo"

Há uma teoria e uma prática do "foquismo". A teoria resultou da interpretação guevarista da revolução cubana. A revolução seria um processo continental que prescindiria dos partidos proletários. Os partidos surgiriam da guerrilha. Esta, em cada país, brotaria da ação de um grupo de homens audazes, bem treinados, bem preparados, que se "alçariam" a um ponto inacessível ou de difícil acesso do interior de um país e deflagrariam a luta armada. O "foco" iria crescendo, transformando-se em coluna guerrilheira, que arrastaria as massas. A prática do "foquismo" não foi a revolução cubana, onde, contra uma ditadura retrógrada existia todo um movimento popular e democrático que apoiou os que subiram a Sierra Maestra. A prática por excelência do "foquismo" foi a experiência de Che Guevara na Bolívia. Na região de Nacahuasa ele chega à frente de um pequeno grupo de homens na primeira semana de novembro de 1966. No final do mesmo mês escreveu em seu diário: "Os planos são: esperar o resto da gente, aumentar o número de bolivianos, pelo menos até 20, e dar início às operações". Em março de 1967, quatro meses após a chegada na área, as operações se iniciaram. Antes disso, procurava se manter a clandestinidade relativamente às massas, como indica essa passagem do diário: "(...) passamos o sábado recolhidos por ser o dia em que os caçadores cruzam essas paragens". E 11 meses transcorridos do dia da chegada a 7 de outubro de 1967, já tudo estava terminado e o "Che" morria, com bravura, heroísmo, aplicando sua concepção idealista sobre o papel dos "grupos audazes" na história.

Querer reduzir o Araguaia, com seus seis anos de preparação prévia, sob a direção do Partido, de integração completa dos combatentes com os moradores locais, com seus três anos de duração da luta, com sua ULDP e seu programa de 27 pontos, com o apoio que teve da população local, como reconhecem os próprios comandantes do Exército que lá estiveram, querer reduzir essa experiência a um "foco" é, ou desconhecer o Araguaia e o "foco", ou adulterar a realidade para denegrir os comunistas e os revolucionários brasileiros.

2. "Maoísmo"

O maoísmo é um corpo eclético de idéias que abarca diferentes questões. É a base doutrinária do revisionismo chinês. No terreno militar, Mao Tsetung dirigiu e sistematizou uma importante experiência, a da revolução nacional de libertação da China. Várias de suas idéias sobre a guerra revolucionária são procedentes e se apóiam na experiência do povo chinês. Os povos da Indochina seguiram um curso revolucionário semelhante em muitos aspectos. Mao pretendeu generalizar o caminho revolucionário chinês para os povos da Ásia, África e América Latina, condensando-o na fórmula "cerco das cidades a partir do campo". Essa proposição essencial do pensamento maoísta em termos da luta armada popular nunca foi aceita pelo PC do Brasil. Nenhum dos seus documentos, especialmente o Guerra Popular - caminho da luta armada no Brasil a incorpora em qualquer sentido.

No documento Guerra Popular - caminho da luta armada no Brasil preside uma idéia orientadora em todos os seus objetivos: a união do povo como "elemento básico da guerra revolucionária" e a "mobilização permanente das massas do campo e das cidades". Esse documento indica como o caminho que nos pode levar à vitória da revolução no Brasil a "conrreta coordenação das atividades revolucionárias armadas e não-armadas, no campo e na cidade". Faz uma análise do crescimento das lutas populares nas cidades, aponta para a possibilidade de o movimento de massas poder transformar-se em "revolta generalizada" nas áreas urbanas. Levanta "hipóteses de que venham a ocorrer choques armados nas cidades entre bandos das classes dominantes", sendo por isso necessário às forças revolucionárias aproveitar essa oportunidade para se fortalecer militarmente. No caminho maoísta as cidades têm apenas um papel passivo. Aí as forças permanecem sempre emboscadas e inteiramente clandestinas, à disposição da luta revolucionária no campo. O campo dirige as cidades e estas, na fase final da luta, são conquistadas pelas forças armadas que se desenvolveram no campo.

O Araguaia nunca pretendeu ser a expressão brasileira dessa linha. O abandono das cidades para realizar o trabalho no campo nunca foi realizado pelo Partido. Se um ano e meio após o início da Guerrilha, as forças da repressão conseguiram golpear os comunistas em diversas das grandes cidades brasileiras, foi porque o Partido aí estava, realizando o trabalho revolucionário junto à classe operária, às massas populares urbanas e às camadas democráticas. Mais de 80% das forças partidárias no período da resistência do Araguaia permaneceram nas cidades. A linha orientadora da guerra popular foi elaborada a partir da cidade e a força dirigente e o grosso da força guerrilheira se deslocaram das cidades. O Partido nunca deixou de lado a prioridade do trabalho operário nos grandes centros. Entretanto, a conjuntura da época não permitia um trabalho operário mais amplo, era uma atividade restrita e difícil junto à classe operária, em conseqüência da repressão intensa exercida pela ditadura militar nas fábricas, no trabalho sindical urbano e nas periferias das cidades.

Em resumo, os ensinamentos de Mao Tsetung sobre a guerra revolucionária influenciaram a elaboração do Partido a respeito. Houve aceitação de teses impróprias ao caso brasileiro. Mas a essência da teoria maoísta, o "cerco das cidades a partir do campo" ou de que "o campo dirige as cidades", nunca foi aceita e aplicada pelo PC do Brasil, em que pese o Partido não ter podido fazer uma correta articulação entre campo e cidade, mesmo porque a luta armada ainda se encontrava em fase inicial.

3. "Blanquismo"

Os adversários mais ou menos disfarçados da luta armada chegaram ao ponto de ver em tudo aquilo que não fosse prostração à espontaneidade do movimento de massas uma expressão do blanquismo. Para esses elementos, a idéia de "preparar a luta armada", por exemplo, é blanquismo. "As massas é que dirão as formas de luta a empregar - dizem - a vanguarda não pode dar exemplo".

Em O Marxismo e a insurreição, Lênin salientou que "entre as tergiversações do marxismo mais velhas e talvez mais difundidas pelos partidos socialistas dominantes, figura a mentira oportunista de que a preparação da insurreição - e, em geral, a concepção desta como arte - é blaquismo". O Partido, que tem combatido o aventureirismo em luta armada, também tem combatido o espontaneísmo nessa questão. E continuará a fazê-lo.

4. O trabalho político prévio

Critica-se o Araguaia por não ter tido trabalho político de massas prévio à luta armada. Diz-se que o trabalho político antecipado é imprescindível ao desencadeamento da luta armada. Na verdade, a luta armada popular não pode prescindir do trabalho político de massas. Se esse trabalho será prévio ou não, depende das circunstâncias, que de forma alguma podem ser abstraídas. Se as circunstâncias são de fascismo, é idealismo imaginar que se possa realizar previamente atividade política no sentido preciso do termo. O fundamental, preliminarmente, é um trabalho de integração profunda com as massas locais. Se a luta sobrevém no desdobramento de conflitos vivenciados por todos, ou a partir de um ataque de surpresa a um grupo de moradores, como foi o caso do Araguaia, há de se fazer, em seguida, e intensamente, o trabalho político de massas, vital para a consolidação e o desenvolvimento da luta. Foi essa a expectativa e a prática do Araguaia. Arroyo diz que "durante a preparação, ainda que por motivos de segurança não se pudesse abrir o jogo, todos se preparavam para desenvolver, começada a luta, ou pouco antes, intensa propaganda revolucionária (...)".

Niguyen Van Thieu, membro do CC da FNL do Vietnã e participante de duas guerras revolucionárias, escreveu: "Naturalmente pode se deflagrar a luta armada antes do trabalho político, com a condição de que o trabalho político acompanhe, rapidamente, a luta armada. Pode se deflagrar a luta para quebra da pressão e abrir caminhos para a propaganda e o trabalho político, sempre necessário". (Nossa estratégia de guerrilha).

5. A luta armada em fase de descenso

Argüi-se que estando o movimento de massas no Brasil em período de descenso no início da década de 70, não se poderia ter iniciado uma luta guerrilheira. É argumento direitista, que nega a luta armada. Na verdade, o que pode aparecer no quadro de uma crise revolucionária, no auge do movimento de massas, é a insurreição geral armada. E o que pode também ocorrer, e freqüentemente ocorre, na situação de defensiva geral da luta popular, é a ação armada de resistência, da qual a guerrilha é a sua forma mais conhecida. Longe de não se poder fazer guerrilha no quadro de uma defensiva geral, ela comumente surge nesse quadro, como forma de luta adequada ao momento, conforme o nível de agravamento da luta de classes, visando ao desgaste contínuo do inimigo. Assim foi na China, no Vietnã, Cambodja, Laos, na África, na América Central.

O golpe de 1964 significou uma derrota para o movimento popular e democrático, que se viu tolhido em suas aspirações e atividades, mas gerou sentimento de revolta que se traduziu num anseio por resistência. Ampliou-se a exigência de se opor ao regime militar com a força das armas. Ainda que sob caminhos equivocados, diversos setores da população passaram a essa resistência. O Araguaia foi a forma mais elevada de resistência popular armada com a qual o nosso povo respondeu à ditadura. O PC do Brasil, seu inspirador, jogou papel de vanguarda.

6. As condições para resistir

Alguns críticos afirmam que no Araguaia não havia condições para a resistência guerrilheira. Que a vida teria mostrado isso, comprovado pela derrota militar.

No entanto, o que a vida mostrou foi o contrário. A existência de condições mínimas para resistir ao ataque do Exército de 12 de abril de 1972 fica demonstrada quando se sabe que o resultado imediato dessa resistência foi a vitória. Se não houvesse as condições mínimas para a resistência, o Exército teria aniquilado a Guerrilha logo na primeira campanha. O fato de, meses após, o Exército ter desfechado outra campanha, a segunda, que terminou também derrotada nos seus objetivos, sem conseguir aniquilar a Guerrilha, comprova, justamente, que existiam condições para resistir, tanto que a resistência se processava vitoriosamente. A derrota militar sobrevinda quase três anos após o início da luta não questiona as condições do início da resistência. Decorre de outros fatores, alguns dos quais sucedidos nas vésperas e no curso da campanha em que o inimigo golpeou e derrotou militarmente a guerrilha.

INDICAÇÕES GERAIS SOBRE O CAMINHO REVOLUCIONÁRIO

Seria errôneo universalizar um tipo de caminho de luta armada para qualquer país e para qualquer situação. A experiência da luta armada popular tem apresentado as mais variadas formas: ações guerrilheiras persistentes, guerra popular prolongada, insurreição geral armada, insurreição nas cidades. Ou então a articulação e combinação destas diferentes formas. A especificidade de cada país, o caráter de determinada situação revolucionária, as modificações econômicas, sociais e políticas influem decisivamente na maneira concreta que a luta armada venha a tomar. Nem sempre se pode estabelecer previamente um plano de desenvolvimento da luta armada em todos os seus aspectos ou fixar de antemão o tipo exato de organização militar das forças da revolução. Somente a evolução da luta de classes, através de suas formas mais vivas que expressem a particularidade e a variedade de cada situação concreta, poderá ir demonstrando com clareza o principal cenário, as melhores formas de luta, e a organização militar mais apropriada e os meios técnicos e materiais a empregar. Cabe à vanguarda revolucionária, com base no rumo assinalado, ir retirando em tempo as indicações que vão surgindo no processo da luta, sistematizando as experiências e definindo as medidas a serem aplicadas.

Cenário e formas de luta

O cenário e as formas de lutas revolucionárias estão relacionados de um modo geral ao caráter da revolução, às forças sociais mais importantes comprometidas no desenvolvimento da luta política. De modo particular, a estratégia e a tática da luta armada popular toma rumos próprios, conforme a realidade nacional, o avanço das condições materiais e técnicas, a experiência acumulada das forças revolucionárias.

O caminho da revolução proletária na Rússia foi estabelecido pela primazia das lutas revolucionárias nas grandes cidades, sendo a classe operária a força motriz mais importante. No período da II Guerra Mundial na Europa, durante a resistência aos nazistas, a luta armada em alguns países, como a Albânia e a Iugoslávia, desenvolveu-se principalmente no interior; noutros, criaram-se grupos de combate e sabotagem nas cidades. Na China, a revolução prosperou de modo prolongado no campo, as cidades foram cercadas e coube aos camponeses o papel de força motriz quase exclusiva. Diversas experiências em distintos países tiveram como cenário tanto o campo quanto as cidades, assumindo variadas formas de luta. Na experiência recente do Vietnã do Sul, o campo e a cidade estiveram intimamente relacionados, apesar da primazia do campo, e as formas de luta combinaram-se, desde a luta guerrilheira à guerra de movimentos de grande envergadura, desde as manifestações de rua até as grandes insurreições. Atualmente, as experiências da luta revolucionária no Irã e na Nicarágua são elucidativas. No Irã, a primazia foi das grandes cidades, decidiu a forma clássica: grandes manifestações de massas, greves econômicas e políticas, revoltas e insurreições. Ali a guerrilha atuou no campo com altos e baixos durante mais de dez anos, contribuiu para criar condições à insurreição, serviu ao aprendizado revolucionário. Portanto, o campo teve papel auxiliar, secundário. Na Nicarágua, a luta armada popular surgiu e se desenvolveu no interior, atravessando fases de retração e expansão de forças. Após certo tempo, as cidades passaram a ser também palco de ações revolucionárias, levantes e insurreições, assumindo um papel auxiliar, de apoio e ampliação da luta armada. O campo foi o cenário principal.

A prática revolucionária demonstra que nas cidades a forma primordial e decisiva da revolução é a insurreição. Esta se caracteriza fundamentalmente pelo armamento em grande escala do proletariado e das massas populares no processo da luta e pela desagregação e ganho de uma parte das forças armadas inimigas. O avanço da luta política e revolucionária leva inevitavelmente o inimigo ao desgaste, à divisão e desagregação de forças ponderáveis. Em parte, disso depende a vitória da revolução. A insurreição de Outubro na Rússia atraiu a metade do Exército, cansado da guerra imperialista. A insurreição no Irã deslocou para o seu lado parte significativa das forças armadas da monarquia. Na China, na etapa da ofensiva geral, o Exército Popular contou com a adesão de guarnições inteiras de várias cidades. O levante e a adesão da guarnição de Moncada foi muito importante para a vitória da revolução cubana. E assim tem acontecido em todo processo revolucionário de vulto.

A eclosão das forças insurrecionais e a sua vitória dependem de uma situação revolucionária, ou seja, quando "os de cima já não podem governar como antes e quando os de baixo não aceitam mais viver como até então". As etapas de desenvolvimento da insurreição, segundo Lênin, passam pelas fases das greves gerais, econômicas e políticas, e a insurreição surge como resultante das "revoltas, manifestações, lutas de rua, formação de destacamento de um exército revolucionário". Os corpos armados contribuem para dar direção militar ao conjunto do movimento de massas. A insurreição popular não pode ir ao combate desarmada, ou seja, sem um mínimo de preparação técnica e sem suficientes recursos em armas. Nas fases pré-insurrecionais a preparação técnico-material e o melhor aproveitamento das condições para o amplo armamento das massas revolucionárias ocupam lugar de destaque.

Nas diversas modalidades de luta, as ações de pequenos grupos revolucionários nas cidades podem jogar um certo papel, desde que sejam expressão do movimento operário e popular quando a luta já assumiu caráter mais profundo. As lições do emprego dessa forma de combate nos centros urbanos ensinam que ela não pode surgir artificialmente, segundo desejos subjetivos; devem ser levados em conta o nível das ações de massas e as condições concretas de cada momento.

No campo, a forma básica da luta armada é a guerra de guerrilhas que se transforma, nas fases avançadas, em guerra regular. As táticas e técnicas da guerrilha vem desde os primórdios da história, sendo usadas com freqüência na China e no Egito antigos. É um meio de o fraco opor-se ao forte e caracteriza-se por evitar o combate frontal, decisivo, lutando somente em condições favoráveis e atacando no momento e no lugar de sua escolha. A guerrilha não decide a guerra. Para isso, impõe-se que os grupamentos guerrilheiros convertam-se em corpos de exército para levar à prática a guerra de movimento ou de posição. Já na etapa da guerra clássica, a guerrilha joga papel auxiliar, de apoio. De um modo geral, do ponto de vista estratégico, a guerrilha tem como objetivo o desgaste e a desorganização do inimigo e, por outro lado, a formação das forças regulares ou o seu apoio a essas forças.

No que se refere à guerrilha, a questão essencial é que ela só cresce com a ampla mobilização popular. E exige a formação de núcleos de apoio que ajudem no fortalecimento de homens e materiais; a participação ativa das amplas massas, por meio de diversas formas de ação, inclusive as de caráter armado rudimentar; a preservação de forças devido à fragilidade inicial dos grupos guerrilheiros; esses devem contar com alternativas várias de troca de territórios, se a situação assim o exigir. Lênin já afirmava em 1906, na Rússia, que a guerrilha "servia ao mesmo tempo para desorganizar o inimigo e preparar as futuras ações armadas, abertas e de massas".

A organização militar das forças da revolução

As Forças Armadas reacionárias modernizam-se e elevam constantemente os seus efetivos, visando, justamente, à defesa e à segurança das classes dominantes, aprimoram-se na preparação da guerra contra o povo. A classe operária e seus aliados fundamentais não poderão submeter as forças armadas do inimigo, nem conseguir seus objetivos estratégicos, sem a constituição de um exército popular revolucionário.

Como construir esse exército? Sem a luta armada popular não se forma o exército das amplas massas do povo. É no processo mesmo de desenvolvimento das lutas revolucionárias que as forças armadas populares se organizam, e não por meio de golpes ou putches militares. Constrói-se o exército em conformidade com o desenvolvimento das várias etapas da revolução popular. Em cada uma das etapas da guerra revolucionária - acumulação de forças revolucionárias, insurreição geral armada e ofensiva geral - as forças armadas populares tomam formas determinadas e visam aos fins delimitados.

Na concepção maoísta, o exército popular somente poderá ser construído no campo. As forças revolucionárias crescem num decurso de tempo prolongado e num único cenário de lutas - as zonas rurais. A acumulação de forças revolucionárias e a insurreição geral dão-se apenas no interior, onde as forças armadas populares atuam e têm sua base de apoio. A ofensiva geral é lançada pelo exército do povo a partir do campo, e as cidades entram em cena para serem tomadas. Se bem que esse tivesse sido o caminho da China, a experiência revolucionária proletária e mesmo a experiência revolucionária em geral contestam a universalidade desse caminho que poderá ser seguido num ou noutro país, nunca, porém, em toda parte, como a vida tem demonstrado.

Em países como o Brasil, na atual etapa de revolução, outro pode ser o rumo a seguir. Os elementos que formarão o exército popular advirão possivelmente da classe operária, do campesinato, das camadas pobres das cidades, e também de setores da pequena burguesia. São segmentos mais numerosos e também os mais decididos da população, os que sentem mais duramente a opressão e a exploração dos reacionários e dos imperialistas. Não se pode, porém, estabelecer previamente a forma precisa que tomará a organização militar popular. Os tipos de luta revolucionária que venham a ganhar maior espaço e as condições em que se realizarão vão moldar posteriormente a forma das forças armadas do povo. Se as lutas revolucionárias predominantes forem nas cidades, isso influirá decisivamente nas características organizacionais de tais forças; se, no entanto, predominarem os tipos de luta no campo, outras serão as características organizativas do exército popular.

Aspectos sociais e políticos da luta revolucionária

É importante ter em conta, numa determinada situação concreta, os aspectos econômicos, sociais e políticos aí existentes. Trata-se de um país econômica e politicamente estável ou relativamente estável? De uma região com agudos problemas sociais? De nações com formas de governo mais ou menos democráticas ou de sistemas ditatoriais? São questões que demandam atenção particular.

Ao abordar esse problema, tem-se em vista que o capitalismo no Brasil, de caráter dependente, expandiu-se nas últimas décadas, provocando modificações econômico-sociais na cidade e no campo. A luta de classes em nosso país tornou-se mais intensa e mais nítida. Os dois campos de luta antagônica entre a burguesia e o proletariado delimitaram-se melhor. Aprofundou-se também a luta dos camponeses pela posse da terra. E se desenvolveu o sentimento nacional contra o entreguismo dos governantes. As cidades cresceram. Há no país 11 grandes cidades com mais de um milhão de habitantes nas quais se situam largas zonas de miséria. As condições de vida do povo pioraram consideravelmente. No terreno político, persiste uma ditadura militar, embora o povo tenha conquistado algumas liberdades.

Existe no país um vasto contingente de operários industriais, de proletários rurais, de trabalhadores em diferentes áreas de serviço, e um grande número de subempregados e desempregados, assim como de camponeses carentes de tudo. Essas forças sociais encontram-se diante de uma situação de crise econômica - crise que atinge todo o sistema capitalista mundial - e de dificuldades crescentes. Alastra-se o descontentamento popular, ganha maiores dimensões o desejo de derrubar o regime militar imposto desde 1964.

As forças sociais em presença, sobretudo o proletariado e o campesinato, com o aprofundamento da crise econômica e social e sob a influência de fatores objetivos, vão amadurecendo a sua consciência política e encontrando novas formas de combater seus inimigos. As seguidas medidas antipopulares e antinacionais de governo, as represálias e brutais repressões políticas encarregam-se de "educar" em pouco tempo o proletariado, as pessoas simples das cidades, o campesinato, preparando-os para as formas de luta revolucionárias.

O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO NAS CONDIÇÕES ATUAIS

Consciente do seu papel de destacamento avançado do proletariado e do povo, convencido de que as classes dominantes por meio da violência contra-revolucionária impossibilitam o caminho pacífico da revolução, o PC do Brasil tem o dever de ajudar a classe operária e as massas populares a se conscientizar e a se organizar para a luta. O centro da estratégia do Partido, expresso no Manifesto-Programa e desenvolvido em particular na VII Conferência Nacional, é a conquista de um regime de democracia popular, rumo ao socialismo. Desse objetivo desprendeu-se o eixo da orientação tática do Partido, definido na orientação de derrubada do regime militar e na conquista das mais amplas liberdades políticas, tática relacionada a uma situação objetiva em agravamento. A crise estala em todos os terrenos, intensifica-se o saqueio imperialista e a exploração capitalista. Essa realidade vai elaborando continuamente os fatores de uma crise revolucionária, já apontados desde a VII Conferência.

Os generais tentam enquadrar o processo político segundo os ditames da chamada segurança nacional. Empregam cada vez com mais freqüência e de maneira sistemática a força policial-militar, a violência e a perseguição contra o povo. A tropa realiza verdadeiras ações de guerra nas cidades e, em particular, contra as massas camponesas, tentando contê-las em suas lutas. A tendência das massas, no entanto, é para a ação. Nos centros urbanos repetem-se de modo espontâneo manifestações combativas e choques de rua, como os sucedidos na Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Pará e Paraíba. As greves se multiplicam e tendem a paralisações mais amplas. No interior, as massas camponesas desenvolvem sua autodefesa, mobilizam-se nas regiões da seca do Nordeste para se apossar pela força de gêneros alimentícios, fazem resistência armada contra a grilagem nas zonas de posseiros, promovem demonstrações vigorosas por intermédio de passeatas e ocupações de estradas, defendem nos sindicatos rurais os seus direitos. A radicalização das lutas populares cresce.

Tal o quadro, em traços gerais, da realidade brasileira. Quadro que tem reflexo também nas características do caminho da luta armada popular.

Diante da nova situação política, econômica e social e com a experiência mais amadurecida, impõe-se adaptar e reformular em alguns aspectos a nossa orientação sobre o caminho da revolução, esforçando-nos por encontrar as tendências que vão sendo apontadas pela prática do movimento operário e popular.

No presente, como se pode definir o caminho da luta armada em nosso país? Pode continuar se afirmando que o caminho da revolução é o da guerra popular prolongada? Não. Pode-se dizer, então, que os camponeses e o campo não têm mais funções importantes no processo revolucionário? Também não.

Na atualidade, nas condições concretas do nosso país, devemos levar em conta no desenvolvimento da violência revolucionária os dois cenários da luta: a cidade e o campo. A primazia de um ou outro cenário vai sendo definida no processo de evolução da própria luta. Tanto seria falsa uma definição que afirmasse taxativamente ser a cidade o cenário principal e único da luta armada quanto a que declarasse categoricamente ser o campo esse cenário.

No nível atual do desenvolvimento do país, as cidades representam centros ativos e poderosos da luta revolucionária. Nelas, particularmente na região centro-sul, cresceu e se concentrou a classe operária que, a partir de 1978, desencadeou um forte e extenso movimento grevista.
Em fins de 1979, ascendiam a mais de 3 milhões os trabalhadores em greve. Eleva-se a consciência e o grau de organização dessa classe. Aí se concentra igualmente imensa massa de pessoas pobres que vivem nas periferias em condições subumanas e duramente perseguidas. Sua combatividade cresce continuamente e não são poucos os enfrentamentos com as autoridades e o aparelho da repressão. Nas cidades encontra-se numeroso contingente das classes médias assalariadas: médicos, professores, funcionários públicos, etc, bem como a maior parte dos estudantes. Essas camadas sociais vêm demonstrando decisão e espírito de luta em defesa de suas reivindicações e direitos democráticos. Com a piora das condições de existência, o aprofundamento da crise econômico-social e o descontentamento generalizado, intensifica-se a luta de classes. O sentimento de revolta contra o regime de repressão, de fome e entreguismo, vai se apoderando das massas. Pode surgir no país uma crise política de envergadura e se criar uma situação revolucionária. Nesse caso, existe a possibilidade de os acontecimentos evoluírem para a insurreição de tipo clássico, nas cidades. Suas metas imediatas seriam a conquista da ampla liberdade política, um governo provisório que adotasse medidas de emergência face à grave situação do povo e do país, que pusesse fim às leis e atos reacionários, antidemocráticos, e que convocasse o povo, livremente organizado, para decidir os destinos do Brasil. Dependendo das circunstâncias, essas metas poderão ser ultrapassadas, sobretudo se a classe operária, em aliança com os camponeses, dirigir o processo revolucionário.

Mas a insurreição nas cidades, para alcançar pleno êxito, teria de estar apoiada num forte e combativo movimento revolucionário e de massas no campo. Sem esse apoio, as forças reacionárias contariam com certa margem de manobra tendente a isolar e derrotar a sublevação das massas citadinas. O campo, nas condições do Brasil, é parte inseparável do processo revolucionário, o aliado fundamental das forças progressistas e democráticas dos centros urbanos.

É evidente, porém, que o campo não é simples caudatário das cidades. Suas lutas têm dinamismo próprio originado das condições particulares da crise estrutural em que se debate há longo tempo. A grande maioria dos estados possui uma economia essencialmente agrária. Nesses últimos dez anos, o movimento camponês adquiriu grande impulso. A extensão do latifúndio acompanhada da expulsão de famílias camponesas da terra em que trabalham, o incentivo oficial à grilagem, a pauperização crescente do campesinato, a enorme massa dos sem-trabalho aglomerada nas povoações interioranas, a perseguição policial aos lavradores, além do vasto contingente de assalariados agrícolas submetidos a intensa exploração, tudo isso concorre para o despertar de grandes massas e põe em ação o campo brasileiro. Particularmente depois da resistência armada do Araguaia, multiplicam-se os choques com as forças da reação e do latifúndio. Lavra uma guerra surda nas áreas rurais que, de vez em quando, explode em confrontos abertos e radicais. Durante o período do terrorismo fascista, foi precisamente no campo onde ocorreram as ações mais decididas. Assim, não se pode descartar a possibilidade do aparecimento e desenvolvimento de luta revolucionária independente no campo, luta que teria caráter mais ou menos prolongado na ausência de uma crise revolucionária de vulto com desfecho favorável nas cidades. Mas a luta revolucionária no campo encontrará grandes óbices se não estiver respaldada pelo movimento revolucionário nas cidades.

A interligação da luta nas cidades com a luta do campo, a marcha simultânea dessas duas frentes, com um desfecho único, pode ser considerada também como perspectiva possível. Uma ajuda o desenvolvimento da outra. Grandes e exitosas ações de massas na cidade contra as forças reacionárias contribuem para enfraquecer a repressão no campo. Da mesma forma, o combate das massas camponesas pela terra e contra a reação torna mais vulnerável o inimigo nos centros urbanos. Golpes de certo nível na cidade e também no campo, simultâneos ou não, fazem avançar a frente comum revolucionária. Esse desenvolvimento da luta, em processo constante de radicalização criado por condições objetivas, pode conduzir a um estado de insurreição geral.

O centro motor das lutas atuais no Brasil localiza-se cada vez mais no movimento de massas populares na cidade e no campo. As lutas operárias e populares nas cidades tendem a aumentar o nível de radicalização assumindo formas de revoltas de massas, de greves gerais econômicas ou mesmo políticas. Esse processo poderá ser contínuo ou intermitente. No campo, as lutas poderão avançar atingindo formas de autodefesa e guerrilhas esporádicas, sublevações camponesas e movimento guerrilheiro estruturado. Essa radicalização em marcha na cidade e no campo poderá se desenvolver num mesmo momento, interrelacionada, ou poderá ocorrer em tempos diferentes. Tal acontecendo, a luta revolucionária na cidade se articularia durante certo período à luta política de massas no interior, ou vice-versa, a luta radical no campo se articularia durante certo tempo à luta política da classe operária e das massas populares das cidades.

Naturalmente, fatores os mais diversos, como por exemplo, uma divisão mais séria no seio das classes dominantes e nas suas forças armadas ou o envolvimento do país num conflito guerreiro de vasta proporção, poderão determinar cursos distintos no processo revolucionário com a primazia de um ou de outro cenário (cidade/campo).

Em conclusão, conforme a evolução da realidade política nacional e internacional do processo de radicalização das lutas operárias e populares, a violência revolucionária no Brasil alcançará contornos variados. Devemos, por isso, nos orientar no sentido da utilização e combinação de formas armadas e não-armadas, de métodos ofensivos e defensivos, de diferentes cenários de luta - a cidade e o campo - tudo convergindo para a revolucionarização do país.

Tarefas que se impõem

Os comunistas não traçam planos idealistas nem buscam soluções artificiais. Baseiam-se no desenvolvimento objetivo e atuam segundo previsões fundadas na realidade. Os generais podem recorrer aos métodos fascistas para tentar conter a marcha ascendente do movimento revolucionário. Mas não conseguirão impedir a deterioração acelerada do regime dominante que acabará levando à crise política e à radicalização das ações de massas.

Certamente, a revolução não surge apenas de fatores objetivos. Nela influem, consideravelmente, os fatores subjetivos. Não se trata de simples conspirações, mas de preparar-se e preparar as massas para os confrontos inevitáveis. Cabe aos comunistas ajudar a elevar o nível de consciência política e de organização das massas em todos os setores, tarefa que passa pelo combate sistemático às tendências oportunistas, interessadas em confundir e desviar os trabalhadores do caminho correto. As massas aprendem com a sua própria experiência sempre que a examinam com espírito crítico e tiverem a orientá-las uma força de vanguarda. Os comunistas dão apoio decidido à luta da classe operária, das massas camponesas, dos estudantes, da pequena burguesia urbana, dos moradores das favelas e dos bairros pobres, das mulheres e dos jovens, dos patriotas e democratas. Apóiam as revoltas justificadas e os levantes populares contra a exploração e pelos direitos do povo. Estimulam a construção de formas organizativas em defesa das massas e a criação de pontos de apoio para a luta aberta de amplas forças sociais.

Não é admissível aos comunistas frear ou desestimular as ações combativas das massas populares mas, ao contrário, impulsioná-las de forma organizada e sistemática tendo em mira seu crescimento em extensão e profundidade. É dever dos comunistas ajudar o movimento operário e popular a sobrepassar a fase das lutas econômicas espontâneas, chamar as massas a intervir direta e efetivamente, de modo generalizado, no curso da vida política, incentivar a ampliação e o aprimoramento de suas organizações. Nos últimos três anos, a organização e a consciência política da classe operária e das massas populares avançaram. Entretanto, muito terão ainda que progredir. O descontentamento alastra-se e requer mais consciência e organização. O regime militar não cairá por si mesmo. Sem a participação ativa e crescente do povo, será difícil atingir os fins revolucionários, mesmo contando com uma realidade objetiva favorável.

Em relação ao desenvolvimento dos fatores subjetivos, sobressai uma questão essencial: a necessidade de fortalecer a vanguarda revolucionária da classe operária. É preciso fazer esforços persistentes para ampliar a influência do proletariado revolucionário sobre as amplas massas, para tornar mais forte e atuante o Partido marxista-leninista, o PC do Brasil. Essa vanguarda se forja na condução concreta do movimento revolucionário de massas, aprende a dirigir dos pequenos aos grande embates, a superar equívocos e precaver-se dos erros mais graves. Intimamente ligados às massas, os comunistas combatem em suas fileiras tanto o defensismo, que nega a vontade de luta das massas, quanto o voluntarismo ou o revolucionarismo pequeno-burguês que se afasta da realidade. A justa direção na preparação e conclusão do processo revolucionário depende da avaliação concreta e não subjetiva do quadro político, do grau de consciência das massas e da nossa força real.

A par das tarefas políticas e organizativas, é necessário realizar o estudo sistemático das questões militares. O aprofundamento e aplicação das indicações sobre o caminho revolucionário dependem do avanço da luta de classes, como também da elevação do nível de conhecimento das questões da guerra. Uma justa definição da luta revolucionária está ligada à evolução do conhecimento sobre a teoria e as técnicas da guerra revolucionária, sobretudo no estágio atual de desenvolvimento da ciência militar.

A nossa compreensão das questões militares é ainda muito insuficiente e pouco desenvolvida. O estudo dessas questões e principalmente da guerra revolucionária, deve merecer importante atenção de todo o Partido. A guerra revolucionária é uma ciência e uma arte, acha-se submetida a determinadas leis gerais e a certas regras práticas. O Partido que as negligencia, segundo Engels, concorre para sua própria ruína.

Os comunistas não estudam os problemas militares por diletantismo ou visando à realização de conspirações militares. Como dizia Lênin, nenhum comunista que tenha o mínimo de conhecimento de história "duvidará um momento que seja, do enorme significado que têm os conhecimentos militares, da enorme importância da técnica e da organização militares, como instrumento usado pelas massas populares e as classes do povo para resolver os grandes conflitos da história". Logo, o centro do nosso estudo refere-se às formas de luta e organização militares das massas populares, visando à sua libertação e ao progresso social, segundo os interesses fundamentais da classe operária.

A guerra serve a objetivos políticos precisos e determinados. A luta armada popular é a continuação da política revolucionária por meio de formas próprias de luta, mais avançadas, radicais. Desse modo, a guerra revolucionária não está desvinculada da linha política do Partido. O estudo da arte e das técnicas militares deve estar intimamente relacionado à necessidade de maior domínio e aplicação dessa linha.

(Aprovado no 6º Congresso do PC do Brasil.)